sábado, 15 de outubro de 2016

O fotógrafo

Era início dos anos 70 e o menino tinha apenas 8 anos. Nem ele mesmo

sabia, mas já era um fotógrafo de mão cheia. Digo, de visão cheia.

Contemporâneo de Glauber, sem sequer conhecê-lo, compartilhava daquela

máxima romântica: uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

Com a maquinazinha ganhada no aniversário de 14 anos, o menino de short e

sem chinelos andava pela parte velha da cidade. Andava pela beira do rio,

andava pelas mangueiras, andava pelos lados da rodoviária e da ponte (será

que já existia a ponte?) e clicava tudo o que lhe chamava a atenção.

Na viagem para Porto Seguro, com os colegas da oitava série, estilo bate-e-

volta, lá foi ele com a pequena câmera a tiracolo. Fotos P&B, quadradinhas,

com as bordas repicadas, bem ao estilo da época, fizeram a reportagem

daquela viagem histórica. Garotos e meninas com calças boca de sino e batas

coloridas tiveram a alma e os sorrisos arrebatados em sépia, no qual se

reconhecem retratados até hoje.

Teria sido ali traçado o seu destino? Ele já teria a visão de seu futuro? Seus

horizontes se ampliariam como numa panorâmica?

Mulheres novas e velhas, mães trabalhadeiras, artesãs amassando o barro e

aquecendo o forno, rezadeiras, mulheres plantando e colhendo, lavadeiras da

beira do rio, escrevinhadoras de biscoito povoam o olhar desse menino.

Assim como as crianças, muito sorridentes, curiosas, jogando bola, empinando

pipa, correndo atrás dos cachorros e das galinhas, brincando com bonecas

quebradas, fazendo boizinhos de ossos, fazendo rolar latinhas velhas de

goiabada... crianças em grupo - saindo do grupo escolar - crianças com pureza

no olhar e que se transformam pelas lentes do menino.

E os homens? com seus chapéus de feltro tentando se proteger do sol,

enrugados, parecendo mais velhos do que são, cavalgando,

tropeirando, tocando seu gado magro, na lida, plantando o feijão no pó...

garimpando, arando, fazendo seus cigarrinhos de palha, vendendo seus

produtos no mercado, jogando cartas, tomando suas cachacinhas nas budegas,

lá pros lados do seu Lidirico...

Os personagens do menino são muitos, mas são um só. Os personagens e o

menino são feitos do mesmo barro daquele vale e a um só tempo se

transformam no imaginário coletivo de todo um povo sertanejo e

redundantemente forte.

Deve ser por isso que o menino não aguenta a lonjura, a distância. Deve ser

por isso que o menino quer voltar. Deve ser por isso que o menino se perde

nas ruas grandes da cidade... Que é do menino franzino de short, saindo da

boleia e divisando o futuro?

O menino é o fotógrafo que olha o mundo por um quadradinho; que tem,

aparentemente, uma visão limitada. Mas quando ele nos deixa ver o resultado,

como se amplia! Como se agiganta o menino!

****

Escrevi este texto há uns cinco anos, mais ou menos, mas nunca o dediquei a quem devia... Apesar de ter inúmeros amigos fotógrafos (sintam-se todos homenageados!), este texto é dedicado a um único fotógrafo, que já foi muito importante na minha vida, com quem eu aprendi a olhar a vida de muitos modos, de vários ângulos, sob inúmeras perspectivas... e vou ser sempre grata, apesar de tudo, acredite!

O Dia do Fotógrafo é comemorado em 08 de janeiro, mas pra mim, vai ser sempre no dia 17 de outubro. E que comecem os festejos!!!!! Para O.F., com carinho!

Nenhum comentário:

Postar um comentário