sábado, 29 de outubro de 2016

Mar

Eu mergulhei no mar.
De cabeça.
Sozinha.
Por vontade própria.
Achei, como de costume, que só iria molhar as pontinhas dos pés.
Mas quando me vi, já estava inteira, no fundo, mergulhando e gostando.

Nunca desejei entrar no mar desse jeito. Tinha medo, até.
Mas agora, é um desafio, é para sempre, é vital.
E me faz falta.

O mar, sempre o mar!, assusta.
É imprevisível.
É instável.
É indecifrável.
Às vezes bravo, às vezes doce, às vezes me ignorando, às vezes flertando comigo.

E eu por tantos anos me escondi, fugi, fiquei só de fora, olhando.
Olhando e desejando.
Olhando e não acreditando que eu seria capaz.

Mas agora, não sei o que houve, eu criei coragem, 
Eu quis enfrentar os meus mais profundos medos, 
Eu quis fazer algo diferente, eu quis fazer algo por mim.
Então, não tão rápido assim, não sem hesitar, não sem dar umas braçadas erradas, eu fui.

Eu mergulhei no mar.
De cabeça.
Sozinha.
Por vontade própria.

E, apesar do medo, estou com coragem. 
Pode parecer um paradoxo, mas ambos residem em mim.
São sentimentos diferentes, velhos amigos de mãos dadas, que zombam de mim, 
que me acompanham em tudo o que faço e que me movem.

O medo me faz ter cautela.
A coragem me impulsiona.

E quando me proponho a ir mais além, 
a tentar buscar o fim daquela raia e me apavoro pelo medo, na ida,
Na volta, eu me encho de coragem e dou o melhor de mim, 
acreditando que é um ensaio de uma nova tentativa e que sairei vencedora.

E assim construo o meu exercício.
E assim percorro as raias, braçadas leves, lentas, 
deslizando naquela superfície tão rígida para mim, por ser novidade, 
mas tão fluida, refrescante, prazerosa.
E assim vou aprendendo a respirar. 
Respirar para me deslocar nesse meio diferente.
Respirar porque sou peixes, 
e  quero que o mar seja minha casa.

Depois de muito tempo,
Eu quis entrar por vontade própria.
E assim é no mar.
E assim é no amor.
E assim é na vida.
E eu quis entrar, de cabeça.


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Aprendizagem com o vento

Sempre caminhei rápido  e firme,
Mas hoje resolvi caminhar com calma.
No mesmo calçadão  em que corro pelas manhãs,
Desfilo à noite, em passos calmos.
Calmos, mas firmes.
Decididos.
Hoje à  noite ventava muito. Muitos nós.
Enquanto  meu corpo vencia o vento,
Que passava arejando meus pensamentos,
Meu caminhar era compassado com os meus planos.
Faço  planos lentos.
Explico.
Sou sempre muito acelerada.
Pensamentos, palavras e ações.
Mas não tem dado certo.
Resolvi mudar.
E mudar como o vento, que é fluido e tudo preenche.
Resolvi ser maleável, como o vento.
Que não tem forma, mas está  presente.
Então,  desfilei calma, passos firmes.
Cabeça erguida.
Sou vento forte.
Sou forte.
Sou.
E pensava nos meus planos lentos.
Quero ter calma, desfrutar a vida.
Agora, cada segundo conta.
Quero aproveitá-los todos.
Para mim. De mim. Comigo.
Nesses planos lentos,
Cabe um olhar distante,
Cabe um beijo quente,
Cabe passear de mãos dadas,
Cabem conversas sem fim,
Cabem sorrisos de mim,
Cabem suspiros assim:

... ... ...

Meus passos são firmes,  decididos,
Mas são fachada de um coração
Mole, bobo, sonhador.


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Coleção de beijos...

Do meu amor, quero uma coleção de beijos...
Coisas boas de pensar
Quero aquele sorriso lindo, quero um abraço longo
Eu vou dar aconchego, vou dar meu colo, vou dar carinho
Quero dar o melhor de mim
Vou dar confiança, respeito e leveza
Vou aprender o que eu não souber e vou estar presente
Do meu amor, quero a paz e o desejo
Quero aquele peito largo, para eu poder recostar
Quero respirar livre, suspirar
Eu vou dar a minha mão para uma caminhada
e minha disposição para andar ao seu lado
Do meu amor, quero a voz doce,
Falando meu nome para eu poder despertar
Eu vou dar a minha presença, a minha constância
e a hora certa em que vou chegar
Do meu amor, quero momentos - um de cada vez - já que ele ainda não está inteiro
E eu vou beijar os seus olhos para que aquelas dores passem
E eu vou me dar por completo
E eu vou segurar a sua mão
Do meu amor, quero no mínimo um beijo e no máximo um amor para a vida inteira
 - e tudo o que couber nessa gradação
O meu amor não quer me decepcionar e não quer que eu crie expectativas
E eu o quero ainda mais por isso
Eu vou aprender a esperar
O meu amor às vezes é triste, e alegria eu quero dar
O meu amor me conhece pouco e ainda receia chegar
Eu vou dar o tempo de que ele precisa para poder se recuperar
Do meu amor, quero uma coleção de beijos...
coisas boas de experimentar


sábado, 15 de outubro de 2016

O fotógrafo

Era início dos anos 70 e o menino tinha apenas 8 anos. Nem ele mesmo

sabia, mas já era um fotógrafo de mão cheia. Digo, de visão cheia.

Contemporâneo de Glauber, sem sequer conhecê-lo, compartilhava daquela

máxima romântica: uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

Com a maquinazinha ganhada no aniversário de 14 anos, o menino de short e

sem chinelos andava pela parte velha da cidade. Andava pela beira do rio,

andava pelas mangueiras, andava pelos lados da rodoviária e da ponte (será

que já existia a ponte?) e clicava tudo o que lhe chamava a atenção.

Na viagem para Porto Seguro, com os colegas da oitava série, estilo bate-e-

volta, lá foi ele com a pequena câmera a tiracolo. Fotos P&B, quadradinhas,

com as bordas repicadas, bem ao estilo da época, fizeram a reportagem

daquela viagem histórica. Garotos e meninas com calças boca de sino e batas

coloridas tiveram a alma e os sorrisos arrebatados em sépia, no qual se

reconhecem retratados até hoje.

Teria sido ali traçado o seu destino? Ele já teria a visão de seu futuro? Seus

horizontes se ampliariam como numa panorâmica?

Mulheres novas e velhas, mães trabalhadeiras, artesãs amassando o barro e

aquecendo o forno, rezadeiras, mulheres plantando e colhendo, lavadeiras da

beira do rio, escrevinhadoras de biscoito povoam o olhar desse menino.

Assim como as crianças, muito sorridentes, curiosas, jogando bola, empinando

pipa, correndo atrás dos cachorros e das galinhas, brincando com bonecas

quebradas, fazendo boizinhos de ossos, fazendo rolar latinhas velhas de

goiabada... crianças em grupo - saindo do grupo escolar - crianças com pureza

no olhar e que se transformam pelas lentes do menino.

E os homens? com seus chapéus de feltro tentando se proteger do sol,

enrugados, parecendo mais velhos do que são, cavalgando,

tropeirando, tocando seu gado magro, na lida, plantando o feijão no pó...

garimpando, arando, fazendo seus cigarrinhos de palha, vendendo seus

produtos no mercado, jogando cartas, tomando suas cachacinhas nas budegas,

lá pros lados do seu Lidirico...

Os personagens do menino são muitos, mas são um só. Os personagens e o

menino são feitos do mesmo barro daquele vale e a um só tempo se

transformam no imaginário coletivo de todo um povo sertanejo e

redundantemente forte.

Deve ser por isso que o menino não aguenta a lonjura, a distância. Deve ser

por isso que o menino quer voltar. Deve ser por isso que o menino se perde

nas ruas grandes da cidade... Que é do menino franzino de short, saindo da

boleia e divisando o futuro?

O menino é o fotógrafo que olha o mundo por um quadradinho; que tem,

aparentemente, uma visão limitada. Mas quando ele nos deixa ver o resultado,

como se amplia! Como se agiganta o menino!

****

Escrevi este texto há uns cinco anos, mais ou menos, mas nunca o dediquei a quem devia... Apesar de ter inúmeros amigos fotógrafos (sintam-se todos homenageados!), este texto é dedicado a um único fotógrafo, que já foi muito importante na minha vida, com quem eu aprendi a olhar a vida de muitos modos, de vários ângulos, sob inúmeras perspectivas... e vou ser sempre grata, apesar de tudo, acredite!

O Dia do Fotógrafo é comemorado em 08 de janeiro, mas pra mim, vai ser sempre no dia 17 de outubro. E que comecem os festejos!!!!! Para O.F., com carinho!

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Mestre Álvaro

O Mestre Álvaro é um maciço granítico, com 833 metros de altitude, de onde se pode avistar toda a região metropolitana de Vitória, além das cidades vizinhas e o Oceano Atlântico.
Durante séculos, os grandes navegadores e as pequenas embarcações têm se guiado por ele. Há citações cartográficas desde o século XVI. E eu vejo o Mestre Álvaro, todas as manhãs, da minha varanda. Ora nítido ora envolto em nuvens ele está lá, me guiando, me dando um norte. 


Tenho acordado cedo, bem cedo
Posso olhar o parque e ouvir os pássaros
Posso olhar ao longe e refletir
Posso respirar e ter calma
Posso pensar na vida e dar paz ao meu coração
Posso ver o Mestre Álvaro enevoado
Posso pensar no ciclo da vida
Recomeços - com medos e avanços
Confiante - mas sem expectativas
O dia a dia
Posso observar uma florzinha nova, uma folha caída
Posso cheirar o ar
Respirar a vida,
que renasce e floresce
Posso me sentir feliz nessas pequenas coisas
E grata
Por isso é bom acordar cedo
e acordar para a vida
Posso confiar em mim
Posso acreditar em mim
E eu gosto
Aprendi a gostar
Aprendi a desfrutar

Meu lar é onde avisto o meu guia... eu sigo em sua direção e não estou mais perdida. O Mestre Álvaro me chama de volta pra casa e posso fincar os pés no chão.


domingo, 2 de outubro de 2016

Pedra, papel e tesoura...

Why did a fucking boy called me a baby and a man who I desire cannot see me?

É com pensamentos como esse que tenho que lidar - e não sou apenas eu - e isso é o que me consola.
Quem mais tem o seu coração partido, queimando, diariamente, sem saber o que fazer e como conseguir rodar o dia?
Quem mais vive e respira pisando em nuvens, enquanto interage com máquinas?
Quem mais tem a alma frágil, esgarçada, enquanto sorri ao executar suas tarefas?
Quem mais se exaspera com o momento político, mas tenta se sentir acalentado com o bom da vida?
Quem mais faz as contas do fim do mês fecharem, enquanto realiza pequenos milagres diários?
Quem mais precisa ser duro em casa, no trabalho, nas suas decisões, enquanto bastaria apenas um colo e um afago?
Quem mais se estressa com uma correria sem fim, enquanto gostaria de andar a passos lentos, em uma slow life constante?
Sou apenas eu?
Quem mais ama sem ser amado?
E é com pensamentos assim, mixados de dor e esperança, que eu sigo.